domingo, 9 de janeiro de 2011


Dezoito meses passaram desde a publicação do último post. Apesar do Blogue da Viagem ter sido desde então a minha Home Page, não concluí a narrativa. As obstruções e contrariedades foram de ordem diversa. A maior de todas, sem dúvida, a falta de inspiração, apesar de todos os incentivos e encorajamentos. No entanto, para mim, para os elementos que participaram na aventura e para todos aqueles que acompanharam as nossas peripécias, fica aqui o compromisso de em breve concluir a estória. Tão simplesmente porque merece ser contada.


Entretanto, e depois de já ter feito outras viagens, estou a preparar-me para mais aventuras em 2011. Uma viagem à Guiné-Bissau e outra a Marrocos, em Fevereiro e Abril, respectivamente. Este ano vai ser África com abundância. Ambas com direito a blogs. O blog Reporte Obrigatório acolherá, para já, a viagem a Guiné-Bissau. Mais tarde, reportará, obrigatoriamente, aventuras passadas e outras futuras. A viagem a Marrocos envolve a organização do Mototurismo TAP e foi criado um blog que vale a pena acompanhar, Clube Mototurismo TAP.

P.S. Uma daquelas viagens que irá constar, obrigatoriamente, no blog Reporte Obrigatório é, sem dúvida, a viagem aos Picos de Europa com a minha filha Sofia.



quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A Subtracção


DIA 4 de Agosto. São Petersburgo – Estónia (Parnu). Na manhã do 11º dia de aventura, os preparativos finais que antecederam mais uma jornada tiveram um sabor particular. Afinal, a nossa odisseia e a GS do Nuno renasciam das cinzas, como a Fénix ou o Pássaro de Fogo do folclore russo (жар-птица, zhar-ptitsa). Mas os sentimentos eram marcadamente antagónicos. Se por um lado o até à próxima! a São Petersburgo cunhava o triunfo sobre a adversidade (afinal a viagem continuava...), por outro lado alguma tristeza e pesar se abatiam sobre nós. Deixávamos para trás um Amigo, Yuri Gorbachev, e uma cidade extraordinária onde vivemos experiências únicas. C´est la vie...
Quando saímos da garagem do hotel, já o Yuri nos aguardava cá fora para nos orientar até à saída da cidade. Mais uma vez, constatámos a grandiosidade da Terra de Peter, agigantada, monumental...
Hora do adeus, na berma da estrada que nos conduziria em direcção da Estónia. Num gesto elegante e natural, Yuri despede-se de nós com um abraço e dois beijos. Mais um momento, o último, a assinalar a nossa passagem por estas bandas. Ósculos e amplexos para trás e estávamos a rolar, outra vez. E que bem que soube...

Não foi necessário percorrer muitos km para o fascínio e o deslumbramento serem aniquilados. Depressa nos apercebemos de outra realidade bem diferente da que tínhamos conhecido nos últimos dias. As estradas em estado deplorável, quase indecente, depressa se transformaram numa espécie de desafio à paciência e à vigilância. A atenção era dividida entre os perigos da via, o tráfego desregrado e eventuais patrulhas policiais, para as quais tínhamos sido alertados. As bermas da estrada, aqui e ali, estavam ornamentadas com muitos vendedores-de-berma-de-estrada.
Entretanto, era possível observar as peculiaridades das pequenas localidades ou dos muitos e diminutos aglomerados de casas. As habitações são maioritariamente construídas em madeira com telhados de chapa, a fazer lembrar os bairros-da-lata. Casas pequenas, atarracadas e desordenadas. Do que viverão estas pessoas? Ali no meio do nada, em nenhures... E no Inverno, como subsistirão? Senti-me recuar no tempo... O nosso dia-a-dia remete-nos para uma verdade demasiado circunscrita, limitada e cega. Os noticiários e documentários são insuficientes... Atravessámos uma região da Rússia muito pobre. Muito!...

De quando em vez, vislumbrávamos umas obras de repavimentação, a obedecerem a preceitos e regras invulgares, ao olhar mais ocidental. Por exemplo, a sinalização é do mais desconforme e enigmática que possam imaginar. Por vezes, a abundância exagerada de indicações implicava alguma serenidade para digerir e assimilar toda a informação. Num pequeno fragmento de via a ser repavimentado era vulgar contabilizar algumas dezenas de sinais e indicações. Quase parecia uma ratoeira, uma armadilha para os mais incautos.

Bom... lá iam as três GS´s por ali-a-fora, quando... ao olhar para a esquerda para me acautelar com a viatura que me ultrapassava, eis que... era um Lada. Um Lada talvez de 1975, 76.... Um Lada, que afinal era um carro da policia com dois agentes da autoridade no seu interior. Um deles acenava repetida e impacientemente um pequeno bastão a dar-me indicação para encostar na berma. Já está!... Já es-tá!... Tá mesmo...
Vieram-me à memória todas as histórias que tinha ouvido acerca destas personagens, destes Senhores Agentes que nos mandam encostar e nos subtraem uns rublos. Surpreendentemente, o coração não disparou. Mantive-me tranquilo e até com alguma curiosidade. Como é que é isto afinal? Qual é o processo? Há método?... É contraditório, mas de alguma forma até estava entusiasmado com a situação. Estava a iniciar-se mais uma lição, uma experiência daquelas... ao vivo e a cores! Vamos lá então...

Motas no descanso lateral. Os Senhores Agentes aproximaram-se e não perderam tempo. Num russo im-pe-cá-vel, declararam que éramos os três uns gandas malucos. A Carla ficou fora do baralho. Incrédulos, e ainda mal reestabelecidos da perturbante resposta, também em russo, à pergunta Do you speak English?, os Senhores Agentes depressa se precipitaram sobre uma prancheta que agarrava uma folha A4 em branco. Em branco, mas por pouco tempo, pois os riscos e rabiscos eram demasiados. Tantos quanto as infracções, transgressões, violações, desobediências, delitos, desrespeitos e pecados cometidos. Mais tarde, fiquei com pena de não ter tido o discernimento de tentar ficar com aquela obra artística. Aquela peça-de-autor aparentava poder atingir um preço elevado. Afinal, os artífices pareciam empenhados na sua estrutura e configuração, talvez impelidos pelo mercado em alta das obras-de-arte...
Abruptamente, entre os nossos desacordos expressos em inglês e também em português, surge a primeira palavra inglesa proferida por um Senhor Agente. Write!!... enquanto estendia a prancheta ao Nuno. Boquiaberto, eu nem queria acreditar. Seria para acrescentar algum rabisco ao conjunto, num impulso grupal? Ou, quiçá, para lhe atribuir a cotação de mercado? Demasiado declarado e indecoroso, pensei. Mas era. Era mesmo... Queriam a cotação. Qual seria, na nossa opinião, o valor adequado para remeter ao esquecimento as nossas travessuras e diabruras. Para melhor se fazerem entender e para não haver mal-entendidos esbracejaram, batendo com as palmas das mãos na barriga, que era grande, enquanto proferiam a palavra altérnátiva (com uma pronúncia francesa e um-não-sei-quê de inglesa), que é como quem diz...
A medo, o Nuno lá avançou... Escreveu 50. Num reflexo Pavloviano, os Senhores Agentes vociferaram uma gargalhada, que se propagou a uma distância considerável. A Carla que se mantinha imóvel a cerca de vinte metros da tertúlia sentiu-se na Casa da Música, tal foi o timbre e a acústica. “(...) Em euros... 50 euros...(...)” insistiu o Nuno. Mais uma gargalhada desta vez acompanhada de gestos que denunciavam estarmos muito aquém do valor apropriado... Bem, depois foi um sem fim de números rabiscados, 100, 150... até a folha A4, antes branca, ficar azul escura, da cor da caneta da lei. As faltas e incumprimentos cometidos por esta altura já não tinham significado central. Tratava-se de um negócio, e aqueles malandr..., perdão, Senhores Agentes sabiam-na toda. Tínhamos de pagar para ir... E eles queriam mais, muito mais. Queriam tudo... A determinada altura, numa derradeira tentativa de coacção, os Senhores Agentes atiraram os passaportes para cima do tablier do Lada e sentaram-se, como quem diz sem isto não vão a lado nenhum, e esperaram. Esperaram... Quase amuados. Num impulso, tive a ideia de fazer valer a adversidade a que tínhamos sido sujeitos em São Petersburgo. A GS acidentada versão-muita-fita-gomada e o olhar sombrio do Nuno eram perfeitos. Resultou! Os Senhores Agentes aceitaram descer a parada. Afinal éramos uns desgraçados que só queriam ir para casa. Além do mais devíamos estar tesos com tanta despesa, como apregoávamos há muito tempo. Assim foi. Reunimos 120 €, que era todo o dinheiro que dizíamos ter na nossa posse e..., deixaram-nos ir. Não sem antes, já dentro do Lada e depois de terem invertido a marcha nos dizerem, num russo im-pe-cá-vel, “(...) имеют смысл и ухода с полицией!”. Era o fim do instante turístico. Agradecemos. Até à vista! Desejei-lhes uma praia cheia de gente no Allgarve. A rolar, outra vez. E que bem que soube...

Até à fronteira não houve grandes alterações relativamente às estradas e à paisagem. O panorama só se alteraria depois da fronteira e só depois das muitas formalidades legais para sair deste país. Quase tantas como para entrar. Mas gostei de lá estar...
A cidade fronteiriça do lado da Estónia, o primeiro dos três países bálticos visitados da Europa Setentrional, revela algumas diferenças, ao início subtis, comparativamente à Rússia. Enfim, estamos a falar da cidade de Narva, a terceira mais importante da República da Estónia. Diferenças que aumentam progressivamente até se tornarem desigualdades radicais, à medida que avançamos para o interior deste país, futuro membro da UE. Para melhor! As estradas, a paisagem, a organização urbanística, o nível de vida e, de uma forma geral, tudo. Mesmo tudo. Apesar, claro, de as comparações nesta altura ainda serem feitas em relação à Rússia.

Chegámos a Tallinn, capital da Estónia, a meio da tarde. Cidade costeira, principal porto mercante do país, a apenas 80 km a sul de Helsínquia, do outro lado do Golfo da Finlândia. Cidade plana e relativamente pequena, com apenas cerca de 400.000 habitantes. Dirigimos-nos ao Centro Histórico de Tallinn, Património Mundial da UNESCO, onde encontrámos um compatriota que nos desejou boa-sorte. A arquitectura russa é reinante, herança dos tempos de domínio russo e de ex-república soviética. Denuncia uma vida cultural agitada, com anúncios a todo o tipo de festividades e eventos, quer sejam musicais, teatro, lúdicos...Muito bonito! Um centro cheio de esplanadas e de loiras. Muitas loiras. Só que não são Sagres nem Super Bock. A Carla não apreciou muito aquela frescura toda. E até estava calor... até estava...
Bom... depois da pausa, continuámos para Parnu, cidade muito popular para as férias de verão dos estonianos, onde estava planeado pernoitarmos.

Depois de instalados fomos jantar a um restaurante muito simpático, construído em madeira, bem perto do nosso hotel. Foi uma oportunidade para fazer um balanço da nossa aventura e considerar as circunstâncias. Estávamos em condições de manter os planos originais? Mantínhamos Istambul? Refazíamos o programa? Não foi fácil decidir, até porque não estava apenas em causa o tempo ainda disponível. A GS do Nuno estava 100% operacional? Na verdade, as preocupações do João nesta área eram fundamentadas. Como elemento mais experiente do grupo e conhecedor profundo das vísceras das motas, era importante considerar os seus pontos de vista. Deliberámos continuar!... Estávamos determinados e confiantes que era possível cumprir o planeado. No planeamento inicial tinham sido incluídos alguns dias extra para descansar ou para progredir menos km por dia. Vieram a calhar os extras... No dia seguinte atravessaríamos a Letónia e a Lituânia. O plano seria dormir em Minsk, capital da Bielorrússia.

domingo, 23 de agosto de 2009

Crónica Russa

DIA 1, 2 e 3 de Agosto. Rússia, São Petersburgo. O Hotel é simplesmente fantástico. Hotel Sokos Palace Bridge. Situa-se, por inacreditável que pareça, numa ilha. Para quem como eu, deixou Santa Maria durante as férias, seria de esperar outra inclinação na eleição dos locais de pernoita. Será coincidência? Desde Puttgarden, Alemanha, que temos dormido em ilhas ou a bordo de navios cruzeiros. Que vício..., que perfeição!
São Petersburgo é uma cidade gigantesca, colossal. É mesmo enorme. Mesmo! A zona mais central é constituída por várias ilhas interligadas por um sistema de pontes levadiças. Muitas pontes. O nosso Hotel fica na ilha Vasilyevskiy Ostrov, uma zona muito in.
Yuri Gorbachev, o russo de 31 anos, que no dia anterior nos auxiliara na fronteira, telefonou-nos pela manhã, disponibilizando-se a acompanhar-nos numa visita guiada à sua cidade. Afinal, vive ali desde sempre, e reside actualmente na mesma ilha onde fica o nosso Hotel. Seria concerteza uma boa opção. Assim foi. Ponto de encontro o Forte de Peter e Paul. Chegou com a esposa, Olga, e a filha Bárbara. Eles de carro, nós de mota. Mesmo assim não era fácil acompanhá-lo. O trânsito em São Petersburgo não é para amadores. A organização do tráfego rodoviário não obedeçe à lógica ocidental. Uma passagem baixa pelos principais pontos de maior interesse turístico, uma visita cirúrgica ao coração desta cidade carregada de história e com um simbolismo especial para o povo russo, e já estávamos a caminho dos arredores da metrópole, rumo a Peterhof, ou a casa de Peter, a cerca de 30 km de São Petersburgo. Assim que entrámos nas imediações do recinto, depressa nos apercebemos porque razão é mandatória a sua visita. Considero que as imagens falam por si, e porque uma imagem vale por mil palavras, não digo mais nada e deixo-vos algumas imagens. Aqui, até os corvos pareceram simpáticos, aos olhos da Carla...Não há nada como um enquadramento adequado.

Fomos almoçar já fora de horas, em Pavlovsk, no Restaurante Podvorye (Coach House), o melhor do género em São Petersburgo e arredores. Comida tipicamente Russa, uma autêntica maravilha. Tudo! A comida, a companhia, especialmente a companhia, o serviço, tudo... Afinal não é um restaurante qualquer. É o restaurante onde vem Vladímir Vladímirovitch Putin (Владимир Владимирович Путин, em cirílico), sempre que visita a sua cidade natal, São Petersburgo. Tem até um menu com o seu nome, em sua homenagem. Estão a ver, não estão? Absolutamente deslumbrante.

Entretanto, Yuri e Olga revelavam-se pessoas excepcionais. Especiais, difíceis de descrever. Uma agulha num palheiro... ou mesmo em muitos palheiros.
Outra vez na estrada, rumo ao nosso Hotel, para uma pausa antes do jantar. Para a noite estava planeado um passeio de barco pelos canais e rios magníficos que banham a cidade.
Trânsito intenso e desalinhado, pouco lógico, na zona de Pushkin. A exigir vigilância máxima. Acontece o insólito, o inesperado. CRASH!... Acidentalmente a GS do Nuno, que encabeçava o trio, embate na traseira do descapotável do Yuri. Apesar da pouca velocidade, foi aparatoso. Foi impossível evitar a queda, causando danos preocupantes na GS, sobretudo ao nível da suspensão dianteira. Subitamente, tudo estava em causa, até porque o próprio Nuno sofrera um pequeno golpe no sobrolho. Tinhamos de aguardar enquanto o nosso companheiro de viagem era observado numa ambulância, que depressa acudiu ao local do sinistro. Entretanto, iniciaram-se as diligências habituais nestas circusntâncias, mas à maneira russa. Foi sobretudo a partir deste momento que o inestimável apoio do Yuri surpreendeu todos. Incansável. Um apoio. Um amparo. A tantos km de casa, teve obviamente um significado especial. Inolvidável.


O Nuno prefere a versão do Alce. Este piloto destemido exibia progressivamente uma condução mais hábil e corajosa ludibriando as curvas e penedos arriscados que caracterizam os arredores de São Petersburgo. A vida selvagem, invulgarmente abundante, adensava os perigos desta região remota, quase inexplorada. Quando finalizava um salto entre duas ravinas, acontece o insólito. Uma manada descomunal de alces cruzava o trilho sinuoso, bloqueando uma transição segura para o desafio seguinte. Entre guinadas sucessivas e evasivas de última hora, o Nuno resplandecia, fazendo mesmo antever um final feliz deste encontro inopinado. Prognósticos que se confessaram prematuros pois, eis que, quando já sacudia o pó das sobrancelhas, se avista com o Macho-Alfa da manada. Aquele animal que teima sempre em ser o maior do grupo, engordando até acumular pelo menos 500 Kg de músculos e astes. Sem escapatória... CRASH!...

Claro que, o simples facto de nesta altura ser aceitável avançar com mais do que uma versão, leva-nos a advinhar um desfecho feliz. Assim foi. Após o inoportuno incidente as circunstâncias ideais ditaram um final feliz. Refiro-me, claro, ao Yuri que, desde logo, encetou um sem número de contactos que mais tarde resultariam no desbloqueio desta lamentável ocorrência. Entretanto o fim-de-tarde prolongar-se-ia até às 02:00. A longuíssima espera pelos meios de socorro despoletados pela assistência em viagem do seguro, proporcionou-nos observar um quase-sol-da-meia-noite. Na verdade, não fosse o Yuri a desbloquear todo o imbróglio, à maneira russa, e ainda lá estaríamos. Acabámos por transportar a GS, recorrendo a um transporte providenciado pelo nosso amigo russo, para um recinto privado de onde, mais tarde, haveria de sair a mesma GS pelos seus próprios meios, mas numa versão muita-fita-gomada. Entretanto, já o Nuno se encontrava no Hotel a descansar, depois de, numa versão Rambo Pires, ter desembrulhado a cabeça de dezenas de rolos de gaze e compressas. Ainda nessa noite, antes de nos deixar, o Yuri fez questão de ver o Nuno para se certificar de que tudo estava bem. Deitámo-nos com a garantia do Yuri de que tudo se resolveria. Os próximos dois dias seriam passados em São Petersburgo.

O dia seguinte, 2 de Agosto, começou mais tarde, dando oportunidade ao Nuno para recuperar, dentro da medida do possível, claro. Uma incómoda batatona na cabeça e um olhar sombrio acompanhariam o Nuno durante os próximos dias.
Depois do almoço no Hotel, em que o tema de conversa foi, obviamente, o número excessivo de alces nas redondezas da cidade, o João, a Carla e o Nuno sairam com a família Gorbachev para uma visita a mais alguns pontos de interesse da cidade. Nessa tarde beneficiei de algum tempo para actualizar o blogue, que já anunciava algum abandono, por falta de tempo. Fiquei no quarto. Lá fora, trovejava e chuvia ocasionalmente. De quando em vez fui fumar um cigarro à janela, que dava para as traseiras do hotel, a fazer lembrar os cenários do Call of Duty, jogo espectacular de computador inspirado na II Guerra Mundial. Recordo-me do som das gaivotas que ecoava bem alto naquelas amplas entrecasas, vazias. Enquanto isso, noutra área da cidade, a família Gorbachev presenteava os restantes elementos do grupo com um momento Zen. A determinada altura a Olga terá perguntado se alguém queria comer ou beber algo. Prontamente a Carla terá retorquido afirmativamente, pois o passeio a pé já acumulava algumas horas, e uma pausa para café ou chá era desejável. Sem se aperceberem descobriram-se no interior de um supermercado, sem saber muito bem porquê, nem para quê... Já cá fora, num recanto abrigado da chuva forte que batia, fizeram rodar a garrafa de conhaque Ararat de 20 anos. Dois ou três golos do requintado líquido para cada um, mas só depois de um bom-bom Ferrero Rocher. Um lanche-à-maneira-russa, ou a comemoração de uma nova amizade?


Falhámos o concerto da Madona que começava às 18:00 numa das muitas e desafogadas praças da cidade. Que chatice...
O jantar reuniu-nos a todos numa pizaria espectacularmente bem decorada, em harmonia com a qualidade das iguarias. Mais um momento de conhecimento mútuo, a enriquecer este relacionamento recente mas, seguramente, duradouro. Ainda antes de regressarmos ao conforto do hotel, tivémos tempo de assistir a mais uma ocorrência diária, mas sempre deslumbrante, nesta cidade. Pontualmente, todas as noites, à 01:00 todas as pontes se aprumam, num espectáculo memorável, deixando passar dezenas de navios que pacientemente aguardavam para se fazerem rio acima ou rio abaixo, em direcção ao Golfo da Finlândia. O percurso até ao hotel foi feito debaixo de uma chuva miudinha, por ruas pouco iluminadas e com pouca gente. Uma atmosfera a evocar o cenário de um qualquer thriller policial, em que o Nuno, com o seu olhar sombrio, era o mau-da-fita...

Na manhã seguinte, 3 de Agosto, último dia em São Petersburgo, a Carla foi às compras com a Olga. Sem dificuldades em se fazerem entender nestas coisas, alguma coisa as unia, tinham algo em comum... É um prazer que não conhece fronteiras políticas, culturas ou religiões. As mulheres e as compras... as compras e os cartões de crédito... Chegou com um Ovo Fabergé... e um saco cheio de compras.
Na verdade, tinha ficado acertado para esse dia, pela hora do almoço, um contacto do Yuri com o veredicto final. Temos GS ou não? Estaremos resumidos a 2 GS´s? O atraso acumulado na Rússia comprometeria o resto da aventura? Perguntas inquietantes, que nos desassossegavam mais e mais, quanto mais perto estávamos de ter notícias do nosso amigo. Trim-trim, trim-trim... era o Yuri. Agora é que é... “a mota vai ficar OK, ainda hoje, mas tarde. Talvez só mesmo durante a madrugada, mas amanhã podem ir embora...”. Arrepiei-me!... Estávamos de novo na estrada. As três GS´s! Uau...que loucura. Estávamos na Rússia, onde tudo se faz à maneira russa, sem papeis, sem burocracias e sem delongas. Com os conhecimentos certos e dinheiro tudo se resolve.
Ficou combinado um último jantar num restaurante japonês, próximo do nosso hotel, altura em que saberíamos mais detalhes e informações sobre os progressos. Durante o resto do dia, ainda incrédulos, deambulámos pela cidade, por ruas e praças, por lojas e galerias. É de facto uma cidade fantástica. Para voltar! O regresso ao hotel, ponto de encontro para o jantar, foi feito de taxi. Quinhentos rublos, negociados.

A comida japonesa era deliciosa. A melhor e mais saborosa que provei até hoje. O enquadramento também era o ideal, uma mesa cheia de amigos. A alguns dos quais ficariamos a dever muito, pela sua ajuda e suporte. Ainda durante o jantar o Yuri recebeu um telefonema do Max, o seu mecânico, o homem-das-mãos-de-ouro. Estava pronta a montada do Nuno. Arrancámos para o tal recinto privado onde a tinhamos largado à quase dois dias atrás. Para quem tinha visto a GS no local do acidente, parecia inacreditável. Só a labuta dedicada de um mestre e o trabalho afincado de um perito podia permitir tal recuperação. As bainhas tinham sido reconstruídas, reforçadas e alinhadas. Depois de um pequeno ensaio para testar a restituição das características originais chegou o momento da fita-gomada, da prodigiosa fita-americana. O conjunto ficou catita... Antes de nos despedirmos do Max e dos seus assistentes, o homem-das-mãos-de-ouro obrigou o Nuno a prometer que assim que chegasse a Lisboa mandaria arranjar a sua GS numa oficina competente. Promessa feita. Depois do pagamento, rumámos ao hotel, ali bem perto, para nos prepararmos para a viagem que recomeçaria na manhã seguinte. O Yuri insistiu em acompanhar-nos até aos limites da cidade no dia seguinte. A noite, essa noite, foi especial. Era véspera do recomeço da aventura, que em determinado momento, admitimos ter terminado...

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Desde o dia 2 de Agosto que estão em falta os posts relativos à nossa aventura. A determinada altura tive de decidir entre descansar ou actualizar o blogue. Decidi pelo repouso, pois os dias eram exigentes e acabava por estar em causa a própria segurança. No entanto, é com agrado que prevejo que os próximos dias irão constituir uma espécie de prolongamento desta nossa peripécia. Enquanto tento sintetizar e compendiar o que de mais marcante experimentámos, recordo e revivo mais uma e outra vez... Isso agrada-me. Para já, como muitos já terão conhecimento, chegámos bem...




domingo, 2 de agosto de 2009

DIA 31. Sétimo dia da aventura. Desembarque em Helsínquia. Depois de todo o desassossego e inquietação que antecederam os preparativos e o desembarque em si, tomámos o pequeno almoço numa esplanada bem no centro da cidade. Muito bonita, mas talvez menos interessante comparativamente a todas as outras que visitámos antes, durante a nossa passagem pela Suécia.

Nunca tinha estado tão a norte no globo, nem tão longe de casa. Não tendo envolvido uma sensação extraordinária, foi interessante ter ultrapassado o paralelo 60º N. Uma volta pela cidade e seguimos rumo à Rússia, com direito a paragem em Provoo, localidade pequena, medieval, encantadora, com um centro histórico constituído por pequenas casas em madeira já seculares. Por estas bandas as térmitas morrem com o frio no inverno...

Nesta vila eis que, surpreendentemente, nos deparámos com um compatriota nosso. O Paulo, um madeirense, casou com uma Finlandesa e reside por estas bandas desde há seis anos a esta parte. Dedica-se ao negócio do turismo. Se pensarem vir a estas bandas não deixem de consultar o link para a página Paulo´s Tours. Fica bem Paulo e obrigado.

Ora que se faz tarde, que ainda temos que fazer uns quilómetros antes de passar a fronteira, dizem que difícil e demorada. Até lá, ficámos com a sensação de que o esplendor, a organização, as cores... que tudo isso se diluía como uma gota de corante num copo de água. É, definitivamente, um povo diferente do povo Sueco. Soubemos depois que os povos vizinhos os consideram moles, tipo os nossos queridos alentejanos, mas sem a sopa à alentejana. Enfim...

Já muito perto da fronteira, a cerca de 10 km, seguimos as indicações confusas para uma bomba de gasolina e acabámos por dar com uma localidade, muito, muito pequena, no meio do nada, Muurikkalantie. A estrada era fabulosa, com bom piso e uma paisagem fantástica. Não reabastecemos os depósitos das GS´s, mas reabastecemos os nossos, biológicos.

Daqui até à fronteira foi um saltinho. Aliás, dois saltinhos pois entre a fronteira Finlandesa e a Russa existe um fragmento de terra-de-ninguém. Chegámos mesmo a pensar, depois de deixar a Finlândia, que já estávamos na Rússia. Na, na, na...não senhor, estávamos enganados, a praxadela não era suficiente. Uns quilómetros à frente uns burocratas, polícias e mais sei lá quem, estavam todos à espera para nos mostrarem como é que é, aqui na Rússia, ex-domínio de Estaline... Foram só 3 horas... papel para a frente, papel para trás, de uma fila para a outra. Uma experiência única, acreditem. Mas como encarei a questão numa óptica instrutiva a coisa passou e até não desgostei de todo. Aliás, ficam na memória registos excepcionais relativamente aos russos. Um voluntarismo invulgar por parte de alguns para nos ajudarem no preenchimento da papelada e na orientação. Sim, que ali a malta anda de fila em fila, numa corrida de guiché em guiché...

Entre eles esteve o Yuri, muito habituado a estas andanças. Grande Yuri. Incansável nas orientações e sugestões de percurso. Mais tarde, no próximo post, revelar-se-á sem dúvida um elemento determinante nesta história que prossegue. Seguimos caminho, não sem antes trocarmos de números de telemóvel...
As condições da via alteram-se de imediato. Dá ideia também que tentam confundir os condutores com cruzamentos confusos, com placas de prioridade, de perca de prioridade... É definitivamente diferente do que estamos habituados. A estrada de ligação entre a fronteira mais a sul (Finlândia – Rússia) e São Petersburgo devia-se chamar de Crazy Road. E é a melhor. Trânsito intenso, até excessivo, duas vias, piso degradado, uma loucura...
Acabámos por chegar ao Hotel bastante mais tarde do que havíamos planeado, mas, para variar, demos com ele à primeira, como se já conhececemos a cidade. O Tom Tom é fabuloso, apesar de não possuir em memória todas as estradas desta região.
Ainda apanhámos um chuvisco, muito ligeiro. O jantar pelas 02:30, ufa... Hoje foi um dia importante. Chegámos à Rússia. Chegámos a São Petersburgo, de mota...

DIA 30. Sexto dia de aventura. Só agora houve oportunidade de publicar este post. Tem sido delicado conciliar o prazer da viagem com a produção dos resumos diários. Temos feito o possível...
Menu do dia: rodar desde Vadstena até Estocolmo e daqui apanhar o ferry para a Finlândia, mais propriamente até Helsínquia.
Logo pela manhã alguns chuviscos prometiam ensombrar o dia mas, como que a pedido, assim que carregámos as motas as condições atmosféricas tornaram-se mais favoráveis. Ainda bem. Na BBC News estavam a prever chuva forte para Copenhaga, bem mais a sul, por onde já passámos. De alguma forma temos estado sempre um dia adiantados em relação ao mau-tempo. Isto é que é planeamento...
Antes de deixarmos Vadstena ainda tivemos tempo para uma curta visita aos pontos principais desta localidade medieval e, claro, para aquele cafézinho da manhã sem o qual os portugueses parecem não operar.

Já na estrada, o tempo aparentava melhorar a cada quilómetro percorrido. Deixávamos a borrasca para trás. Apenas o vento lateral, às vezes muito forte, insistiu em nos acompanhar quase até ás portas de Estocolmo.
Durante a nossa passagem por esta região da Suécia ficou a sensação clara de haver um forte sentimento patriótico, à semelhança do que se verifica nos EUA. A bandeira nacional sueca está hasteada em quase todas as portas. Mas as semelhanças não ficam por aqui. A própria organização urbana das pequenas localidades e a presença continuada de automóveis americanos, impecavelmente restaurados, levaram-nos a pensar que aqui há coisa... Não conseguimos apurar a origem desta inspiração. Mas enquanto aguardávamos o check in para o ferry, em Estocolmo, descortinámos tratar-se de um hobby comum entre a classe média e média-alta, não só na Suécia, mas também na Finlândia, país vizinho. Durante a espera para o embarque, conhecemos um Finlandês, american boy, que veio à Suécia para comprar um Cadillac de 59, pré-requisito e condição para aceitar contrair matrimónio. Está tudo dito... A namorada estava com um ar feliz, ignorando ainda que, muito em breve, será era ela que irá dormir na garagem...

Todas as conversas que mantivémos com os finlandeses tiveram um denominador comum, “cuidado com os russos”, “olho aberto”, “mantenham-se afastados das zonas menos turísticas” e “tenham sempre uns rublos ou euros na algibeira para a polícia...”. Conselhos aceites, mas... fico a pensar se esta desconfiança não estará relacionada com a amargura da perda de território finlandês a favor dos russos, num passado historicamente recente (2ª Guerra Mundial). Não sei...
Hora do embarque. Subitamente a languidez causada pela longa espera, aquele enguiço de as portas nunca mais abrirem, dá lugar a momentos frenéticos. A impaciência surpreendente de todos, a pressa desatinada, o absurdo da tripulação não distinguir habitués de turistas... uma loucura, uma insanidade. Um stress despropositado...

Bom... motas cintadas, presas às argolas do porão, levámos as bagagens para o quarto. Quarto para quatro, primeira classe, piso 7, quarto 7206. O navio Gabriella aparentava, para já, reunir todo o conforto e comodidades. Instalados, banhinho tomado, explorámos a embarcação ainda antes do jantar. Jantar de primeira, tripulação bem treinada. Estávamos conquistados. Tenho de fazer um cruzeiro a sério. Um dos pisos era dedicado à distracção e divertimento dos mais jovens e sobretudo crianças. Bem equipado e assistido por tripulantes especialmente treinados para o efeito. Espectacular. Os meus filhos iriam gostar...

A noite, essa, não toda mas parte dela, foi passada no Sky Caffé, 10º piso, logo acima do piso dos restaurantes. Festa all night long, dança e música old fashion, espectáculo a lembrar os anos 70 e 80. Gostei de ouvir o conjunto entreteiner que também tocou os ABBA. Nestas circunstâncias foi especial. Foi festa...depois, já tarde, descansar qualquer coisa, pois no dia seguinte esperava-nos um dia diferente, Helsínquia-São Petersburgo.